Pegar leve na bebida. Fazer uma tattoo nova. Correr
diariamente. Pegar leve na bebida. Fazer uma tattoo nova. Beber mais água.
Pegar leve na bebida. Fazer uma tattoo nova. Maneirar nos carboidratos. Pegar
leve na bebida. Fazer uma tattoo nova. Entrar na academia. Pegar leve na bebida
e fazer uma tattoo nova. De todas as mudanças adotadas, a mais fácil foi
referente às tatuagens. Foram 14 em menos de dois meses! Talvez, esse seja o
único lado bom de ser tatuador e ter amigos tatuadores. A compulsão foi
tamanha, que me tatuar já fazia parte da rotina do estúdio onde eu trabalhava e
eu não sentia mais a agulha penetrando minha pele. Porém, a dedicação que eu
tive para rabiscar o corpo, me faltou na hora de ir à academia.
Eu não sei o que leva uma pessoa a passar horas
levantando ferro, enfurnada dentro de um local repleto de outras pessoas
suadas, ouvindo uma música ambiente que faz lembrar loja de departamento
(Riachuelo, Renner, C&A...). Se esse é o preço que se paga para ter um
corpo perfeito, prefiro ficar com o meu do jeito que tá: danificado por anos de
má alimentação e abuso ao álcool. Sou capaz de correr 10 km com o maior prazer,
mas a simples caminhada rumo à academia vinha se mostrado uma tortura. E não me
refiro à série de exercícios imposta pelo personal, mas sim, aos meus
“coleguinhas” de atividade.
“Você é tatuador?”, perguntou um sujeito alto e
imensamente forte, vestindo trajes de lycra. Olhar para ele dava a visão
perfeita do que aconteceria caso o Hulk pegasse emprestado as roupas que o Axl
Rose usava na fase de ouro do GNR.
“Sou”, respondi, já pensando numa maneira de encerrar
o assunto.
“Então”, prosseguiu ele, apontando para uma tatuagem
ridícula localizada no seu bíceps que mais se parecia com um balão de festa a
ponto de estourar. “Fiz essa tatuagem deve ter uns 20 anos e queria saber
quanto custa pra consertar.”
Não é a tatuagem que precisa de conserto, pensei. Mas
preferi guardar minha opinião, caso contrário, provavelmente eu não estaria
aqui escrevendo esse texto. Enfim, após ter lhe dado um orçamento aproximado,
ele me encarou por uns instantes, como se estivesse me avaliando, e soltou: “Vamos
fazer um rolo! Você me dá uma moral na tattoo e eu te adianto uns suplementos
que vão te fazer crescer igual a um monstro!”.
Fiz que não com a cabeça, ao mesmo tempo em que abri
um tímido e amistoso sorriso, tentando não parecer rude por rejeitar sua
“tentadora” proposta.
“Qualé?! Você vai ver só! Tu vai ficar enorme!”
Mantive meu sorriso e o sinal de negação com ma
cabeça, à medida que me afastava do brutamonte.
Diante o fracasso de sua proposta, ele decidiu adotar
uma postura inversa, deixando claro que seu objetivo era, simplesmente, não
ficar por baixo.
“To de sacanagem! Quero saber de tatuagem coisa
nenhuma! Depois que entrei pra igreja, minha religião não permite. Vou deixar
essa merda assim mesmo! Agora, só quero saber de...” e listou uma série de
anabolizantes que meu intelecto foi incapaz de memorizar.
Mantive o sorriso tímido e me afastei, caminhando em
direção à esteira. Enquanto corria feito um hamster, pensei no que leva alguém
a oferecer anabolizantes para mim. Se ele dependesse disso para viver, com
certeza estaria passando fome. Pois, a mesma facilidade que tem pra levantar
peso, lhe falta para escolher um público-alvo. Questionei se sua transformação
física também fora reflexo de alguma mudança em sua vida ou se ele é apenas um
desses sujeitos que gostam de se parecer com os super-heróis dos quadrinhos. E,
que tipo de igreja é essa que não permite tatuagens, mas aceita que seus
seguidores se entupam de drogas com o objetivo de deformar seus corpos? Em meio
ao meu emaranhado reflexivo fui novamente surpreendido pelo sujeito que se
aproximou e sussurrou no meu ouvido: “Eu já fui gordo”.
Sua confissão carregava certo tom de desabafo, como
se ele sentisse a necessidade de justificar os motivos que o levaram a
desfigurar o próprio corpo. Isso me fez concluir que, na vida, nenhuma mudança
é gratuita. Tudo necessita de um motivo. No caso dele, foi a insatisfação
gerada pelo sobrepeso. Às vezes, a mudança é positiva, às vezes não. Às vezes
nossa reação é exagerada, às vezes não. No caso dele, o exagero é notável.
Então, eu me olhei no espelho e conclui: tenho que dar um tempo com as
tatuagens.
Felipe Attie