Eu lembro, como se fosse hoje, do momento em que abri
o Word e comecei a exorcizar meus demônios através das palavras. Pura terapia.
Literatura crua e impulsiva. Na época, eu era redator publicitário, o cara que
cria slogans, jingles e frases bacanas que te fazem querer comprar margarina,
sabão em pó e pasta de dente. Eu era bom. Eu sabia fazer meu trabalho. Mas se
tem uma coisa que eu sabia ainda mais é que eu odiava fazê-lo. Odiava mais
ainda eu mesmo por ter feito aquele maldito telefonema.
Eu tinha 18 anos quando liguei pra agência de
propaganda à procura de um estágio. A diretora de criação atendeu e disse que a
vaga já havia sido preenchida. Eu, que já era bastante petulante e piadista,
lamentei e disse que eles tinham acabado de perder um excelente profissional.
Ela riu do lado de lá. Eu ri do lado de cá. Ela gostou de mim, do meu humor e
da minha petulância. Fui chamado pra uma entrevista. No dia seguinte, eu estava
lá. Batemos um papo. Mostrei meu portfólio com alguns quadrinhos e crônicas.
Ela gostou. Gostou de mim, do meu humor e do meu trabalho. Fui contratado.
Assim começou o meu inferno particular.
Logo eu descobri que meu lugar não era ali,
escrevendo frases bacanas que te fazem querer comprar margarina, sabão em pó e
pasta de dente. Logo eu me dei conta de que não devia estar dentro de um aquário
de criação, escrevendo frases bacanas para vender margarina, sabão em pó e
pasta de dente. Não era essa a vida que eu queria. Eu precisava pular fora
daquele maldito. Mas eu precisava do emprego. Precisava de dinheiro e não enxergava
outra possibilidade de monetizar as únicas coisas que sei fazer: escrever e
desenhar.
Eu nunca tirei férias. Nunca fiquei mais de um ano
num mesmo emprego. Isso acontecia porque eu já entrava numa agência contando os
dias para pedir demissão. Meu único objetivo era juntar a grana necessária que
me permitisse chutar o balde e ficar desempregado por mais um tempo, distante
de toda aquela paranoia. O tempo passava. A grana esgotava. Eu precisava voltar
a trabalhar. Falava com meus contatos profissionais, que eram todos
publicitários, e lá estava eu, mais uma vez, adentrando os portais do inferno.
Eu vivia num looping. Um grande e tortuoso espiral de bosta.
Até que, em meados de 2010, enquanto encarava a
página em branco do Word, pensando no título perfeito para vender margarina,
sabão em pó e pasta de dente, eu comecei a escrever o que viria a se tornar
Morrendo Oito Horas Por Dia: Você está no
banheiro, parado frente ao espelho. Seu nariz sangra. O sangue escorre pelo seu
queixo, seu pescoço e suja a gola da sua camiseta. Você vai trabalhar todos os
dias de jeans e camiseta. Muitas pessoas enxergam isso como uma regalia. Quando
você começou, também achava o mesmo. Todo emprego, no começo, é interessante.
Mas é só questão de tempo, até você olhar ao redor e ver o quanto não quer
estar ali. O quanto não quer fazer o que é pago para fazer. É só questão de
tempo, até você olhar no espelho e sentir vergonha do seu reflexo. Até
então, eu não tinha a menor ideia do que aquilo iria se tornar. Meu único objetivo
era usar as palavras pra desabafar, exorcizar meus demônios. Literatura crua e
impulsiva.
O tempo passou e muita coisa aconteceu. Encontrei na
tatuagem a independência financeira que tanto almejava e deletei meu portfólio prometendo
a mim mesmo jamais pisar numa agência de propaganda. Consegui um contrato de distribuição
dos meus quadrinhos e não voltei a mexer em uma vírgula sequer daqueles textos
escritos de forma crua e impulsiva. Não fazia mais sentido. Eu não era mais
publicitário. Porém, anos depois, morando em São Paulo, consumido pelo tédio e
mais uma vez buscando uma direção na minha vida, eu abri o Word e revisitei
aqueles textos. Notei que dali, talvez, pudesse sair um romance. Mas eu não era
mais publicitário. Aquela história também precisava mudar de rumo. Então eu
escrevi a segunda metade da narrativa. Escrevi Fim e voltei a encostar o que,
enfim, se transfomara no meu primeiro livro.
Mais um tempo passou e mais um amontoado de coisas
aconteceram. Meu filho nasceu. Construí minha família. Amadureci. Surgiu o
Coronavirus e eu decidi disponibilizar o PDF do livro para quem quisesse se
manter ocupado durante a quarentena. A resposta do público foi tão
surpreendente que me encorajou a publicá-lo. Com isso, eu finalmente coloquei
um ponto final numa história escrita lá atrás, quando eu era um jovem frustrado
e mergulhado num pesadelo. Com isso, eu realizei o sonho de ser um escritor
profissional. E aprendi que a vida tem o poder de transformar sonhos em
pesadelos.
É isso! O livro tá publicado. Você pode comprá-lo clicando aqui. Espero que se divirta com a leitura, na medida do possível.
Felipe Attie