Hoje é a primeira vez que venho ao mercado depois que essa
merda toda começou. As ruas não estão vazias como deveriam, mas estão mais
vazias do que imaginei que estariam. As pessoas estão acuadas, parecem
assustadas. De máscaras, elas se comunicam pelo olhar. Não é nada agradável o
que os olhos dizem: “Estamos acuados. Estamos assustados”.
Fila para entrar. Uma mulher segurando um frasco de
spray borrifa álcool nas mãos e braços de cada cliente. Gotículas se chocam
contra meu rosto. Meus olhos ardem. Não sou o único. A mulher ao meu lado
reclama. Seus olhos também queimam em contato com o álcool. Não é nada
agradável o que os olhos dizem: “Estamos acuados. Estamos assustados. Estamos
ardendo”.
Outra fila. Uma mulher segurando um termômetro
infravermelho verifica a temperatura dos clientes. Ela aponta o aparelho para a
minha testa. Alguns instantes se passam e uma luz verde acende. Ela verifica o
visor e fala “Tudo certo! Boas compras!”. Enquanto parto em direção à seção dos
legumes, ouço um apito. Olho para trás e uma senhora com idade para ser minha
vó é arrastada para fora do mercado. O termômetro infravermelho na mão da
mulher emite uma luz vermelha.
Enquanto percorro os corredores do mercado, eu me
deparo com pequenos detalhes que me lembram de um passado remoto: o alho
continua caro, os carrinhos continuam com as rodas emperradas e mais da metade
dos caixas permanecem vazios. Detalhes que me lembram de uma época onde não
precisávamos de máscaras. Uma época onde se comunicar através do olhar era
satisfatório, não obrigatório. Abro um sorriso. Percebo que, apesar de todo o
terror instaurado, algumas coisas permanecem como antes.
Felipe Attie